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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Santos Dumont do Sertão Limoeirense


A imaginação é como o vento: nada aprisiona a liberdade dela, nem a realidade mais dura e seca, como o sertão do Ceará. A equipe do Globo Repórter pegou uma estrada de terra, com o sol quente sobre as cabeças, e foi até Limoeiro do Norte, a quase 200 quilômetros da capital, Fortaleza, para encontrar brasileiros sertanejos do século 21, uma família cheia de imaginação e valentia, longe, muito longe, da sofisticação tecnológica da Europa e dos Estados Unidos.
Cem anos depois de o 14-Bis ter decolado em Paris, o sonho brasileiro de voar continua vivo e mostrando a inventividade e a audácia do povo, da nossa gente. Um avião é criação de um motorista de caminhão do Ceará: o chefe de família bem-humorado e muito bem determinado José Ribamar de Freitas. Ele conseguiu realizar o sonho de quando era apenas um menino curioso.

"Meu eu avô, que era um cara muito inteligente, nos ensinou a construir um aviãozinho de talo de carnaubeira, que soltávamos como quem solta pipa", lembra Ribamar. "Depois, quando crescemos, tivemos vontade de aprender a voar. Eu fui ao aeroclube de Fortaleza, mas não tinha nem o primeiro grau".

Mas tinha audácia e vontade de aprender. Procurou aprender em livros, fez cursos, estudou o que pôde até conseguir fazer o primeiro avião. Não deu certo. Nem o segundo, nem o terceiro... Mas pensa que Ribamar desistiu? De jeito nenhum. Esse é o quarto avião que ele constrói. E este voa.

"A estrutura dele é de alumínio aeronáutico comprado em Fortaleza. Tem um alongamento de madeira que vai de uma asa até o final da outra, que é o que suporta todo o peso do avião e tecido de algodão coberto por resina de fibra de vidro. Temos uma parede de fogo. Na realidade, não deveria ser de alumínio, porque o alumínio é um pouco frágil ao fogo. Deveria ser de aço inox, mas como nossas condições ainda não são muito boas...", descreve Ribamar.

As dificuldades parecem ter tornado a família ainda mais unida. A compreensão da mulher de Ribamar, dona Adalgiza de Freitas, então... Imagine que um dia ele chegou para ela dizendo que iria vender a casa. "Eu disse: pode vender!", conta dona Adalgiza. E lá se foi a única casa de Ribamar. A família foi morar na casa do irmão dele.

Em vez de guindastes, mãos e braços dos vizinhos erguem o avião por cima do muro. São 310 quilos, sem combustível, e quase seis metros.




Muito cuidado para carregar o coração da invenção do Santos Dumont do sertão. O motor é mais uma prova da engenhosidade de Ribamar. Era o motor de um Fusca. O carburador era de um Opala. E o mecânico Mazinho fez o motor ficar mais "valente", como ele diz. "Com 200 metros de pista ele já atingiu 120 km/h e saiu do chão", conta.
"Os primeiros quase que não voavam, só caiam", lembra o pai de Ribamar. Caíram, sim, mas o prejuízo foi só material.

"Eu nunca voei porque tenho medo", diz dona Adalgiza.

O filho herdou a paixão por voar. E a filha mais velha também.

"Eu considero avião igual a filho. Todo mundo quer bem a uma criança, mas quando é nosso filho, sempre exageramos um pouco mais. Com avião é a mesma coisa. Esse aqui é como se fosse meu filho, como se fizesse parte de mim", diz Ribamar.

Adalgiza admite que em alguns momentos disse que a iniciativa do marido era uma loucura. "Não pelas coisas materiais, porque eu não sou apegada a isso. Mas pelo trabalho dele. Às vezes ele viaja até São Paulo, perde o sono, trabalha cansado e, quando chega em casa, gasta todo o dinheiro com o avião", diz ela.

"O prazer de voar é bastante interessante, quase inexplicável. É uma sensação de liberdade, de grandeza. É como se você tivesse ficado grande e tudo tivesse ficado pequeno lá embaixo", comenta Ribamar.

A inventividade do brasileiro. Ribamar mostra uma bandeja de pizza que foi incorporada ao avião e arremata: "Aqui no Brasil tudo acaba em pizza".

Nem tudo, Ribamar. Nem tudo. Você mesmo é um exemplo do brasileiro que não desiste de lutar pelo que acredita. Mesmo quando, para os outros, o sonho parece loucura. Tal como Santos Dumont, o brasileiro que ensinou o mundo a voar.

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